(PORTUGUÊS) MEMÓRIA

É Bagdá, 2003

 16:17:21 hs. 19 de agosto de 2003. Interior do atentado terrorista no Hotel Canal, Sede da ONU em Bagdá, Iraque.

Carolina havia acabado de desligar o telefone, e de colocar os dedos no computador para começar a escrever um relatório, quando o ambiente ao seu redor desmoronou e desapareceu. Um homem-bomba acabava de bater contra uma das paredes do prédio onde ela trabalhava – ele atravessou com forca a janela que se encontrava três andares abaixo dela.  Estava dirigindo um caminhão gigante de cimento. Tratava-se do prédio da ONU em Bagdá. Num piscar de olhos, todo mudou. Instantaneamente, todos ao seu redor estavam mortos: sepultados baixo pedaços de cimento ou agonizando depois de terem sido atravessados pelos vidros. Andando através dos pedaços que ainda permaneciam erguidos dentro prédio, ela procurou durante três horas por Sergio. Quando o encontrou, soterrado entre moveis, tapetes e vigas, ele disse a ela que a amava, que estava com imensa dor e que não conseguia se liberar. Como ela se encontrou sem forca suficiente para mover as varias toneladas de cimento que o aprisionavam, eles trocaram palavras de amor e conforto, ela prometeu tirá-lo de lá, e trazer ajuda. Ela logo foi retirada à força dos escombros, enquanto alertava quem era Sergio, onde ele estava preso, e a urgência de tirá-lo. Em vez de ajudá-lo a sair, os esforços se colocaram para impedi-la de retornar. Esta é a história dela.

Sergio tinha resistido a bomba. Depois de três horas sem um auxilio significativo, ele morreu.

União Estável

Em 2003, Carolina e Sergio compartilhavam uma vida a dois há mais de três anos em uma união estável civil, com o apoio de suas famílias: eles já estavam comprometidos e tinham a intenção de se casar depois de deixar Bagdá no final desse mês. Mas depois que a bomba explodiu, assim que ele morreu, ela foi excluída sistematicamente de cada iniciativa promovida pela ONU, mesmo em sua condição de membro oficial da equipe da ONU com de sobrevivente do ataque.

Carolina foi a única entre os mais de 200 sobreviventes que foi simultaneamente vítima sobrevivente e família no ataque terrorista.

O Sistema Brasileiro de Justiça reconheceu formalmente União Estável entre Sergio e Carolina com estatus equivalente a um casamento recentemente, e continua trabalhando para corrigir a história. Carolina Larriera é viúva de Sergio Vieira de Mello reconhecida na justiça. Gilda Vieira de Mello, mãe de Sergio, foi testemunha chave no processo, alem de um Premio Nobel da Paz e outros. O processo contra a ex-esposa, herdeiros e Espolio de Sergio, que declarou a união civil, foi concedido por um painel de 5 (cinco) magistrados (*veja embaixo)  liderados pela juíza Regina Fábregas Ferreira do Tribunal de Família do Distrito da Capital, Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Brasil, após um processo de mais de dez anos onde todas as partes estavam representadas, apresentaram evidências e tiveram tempo para apelar. Pode ser encontrado oficialmente publicado aqui.

Sergio estava separado de sua ex-mulher Annie Personz por quase duas décadas. A separação judicial de Sergio Vieira de Mello do seu primeiro casamento pode ser encontrada aqui. A petição de divórcio contencioso de Sergio Vieira de Mello pode ser encontrada aqui. Sua família no Brasil, inclui sua mãe, Gilda Vieira de Mello, primos, tios, e muitos outros, e remonta a 500 anos de história no Brasil. Porem, a contravontade, ele não esta enterrado no Brasil.

Sergio: familia e Alto Comissário da ONU de Direitos Humanos

Num paradoxo contraditório, enquanto Sergio Vieira de Mello representava a máxima autoridade mundial em direitos humanos, Carolina tornou-se vítima daquilo pelo qual ele dedicara toda a sua vida em proteger: a dignidade humana.

Sergio e Carolina formavam uma família que foi destruída. Sua história também é importante para todos aqueles que acham que a imposição de apenas uma forma de família representa uma violação de sua dignidade, através de estereótipos, ou preconceito social ou político. Hoje, as famílias também podem ser lideradas por diferentes membros da família, como avós, tias, homens e mulheres, e podem mudar ao longo do tempo e de acordo com o contexto social, respeitando a cultura distinta de cada nação. Ao limitar a definição da família a uma única forma, limitamos a vasta diversidade familiar que ocorre dentro das sociedades de acordo com escolhas individuais, normas sociais e circunstâncias da vida, como no caso de Sergio e Carolina. Esta narrativa é uma lembrança para respeitar as práticas em todo o mundo, sem impor uma visão única e criar uma abordagem inclusiva. Esperamos que esta história de exclusão seja um exemplo que talvez nunca seja repetido.

Dezessete anos depois, Carolina e o Grupo de Sobreviventes continuam trabalhando juntos para se reconstruir e são gratos por suas vidas. Eles também esperam o momento de encontrar aqueles que são responsáveis por esse ataque e que a justiça seja feita.

Veja também o Centro Sergio Vieira de Mello no sergiovieirademello.org

 

  • O Painel Completo foi constituído pela Juiz Titular Regina Helena Fabregas Ferreira; a Juiz em Exercício Ana Cristina Nascif Dib Miguel: a Juiz em Exercício Leise Rodrigues de Lima Espirito Santo; a Juiz Substituto Rafaela de Freitas Baptista de Oliveira, e a Juiz Auxiliar Juliana Cardoso Monteiro de Barros.